quinta-feira, 31 de maio de 2012

JOÃO DE BARRO


De piquena, nóis num tinha brinquedo. 
Vê lá so meu pai ia gastá argum dinhero comprano essas bobage.
Aí, minha mãe insinava a gente fazê bunequinho, panelinha cum cabinho, caminhãozinho, vaquinha, boizinho, cavalinho, mesinha, cadeirinha, vasinho, tudo cum piçarra que a gente ia buscá num grotão ali perto, uns sessenta passo de casa.
Nóis varava os dia na lida de amassá o barro. 
Tinha barro marrom iscurão inté o branquinho, branquinho, qu`eu gostava mais. 
Achava um barro chique, a picarra branquinha.
Aconteceu qu`um dia fomo lá buscá barro pro "nosso trabáio", mas já tava na época de começo de madurá goiaba; intão, desviamo o caminho pro lado das goiabera.
Foi oiando bem numa delas que reparamo um montão de barro infiado no tronco.
Quistranho! 
Nunca vimo aquilo!
Sem mardade, nóis fomo cavocando, cavocando cum pedação de pau que achamo no caminho.
Criança do mato nunca anda sem pau na mão!
Mas nóis num era ruim; era só curiosidade!
No repente, o montão de barro seco despencô da árvore, desprendeu dela.
Mais num quebrô! 
A gente só ixclamava, no caminho de vorta:
- Qui coisa "extraordinária", como dizia meu pai, quando gostava da notícia qui o rádio dizia. 
Levamo aquele tróço prá casa.
- Cadê o pai, mãe?
- Foi lá levá leite prá sua vó na cidade, já vorta pra armoçá. Que qué isso?
- Num sei. Óia qui bunito, mãe! Nóis pegamo da goiabera. Teim um buraco aqui, ói! Quem será qui feiz este buraco aqui, ó?
- Mais ô judiação! É uma casinha de João de Barro, aquele passarinho da moda caipira. Que pecado coceis fizerum...
Intão, do nada, meu pai chegô, vortando da cidade.
- O que coceis fizerum? Voceis rancarum da árvore a casinha do bichinho?
Foi uma correria que num diantava nada.
Cinta na mão do meu pai.
Gritaria nossa i do meu pai.
Na hora das mardade, nossa mãe num metia prosa, num defendia ninguém. 
Só depois qui o choro acabava qui ela vinha prá mode vê os estrago.
Inté hoje num sei o que co meu pai fez daquela casinha de passarinho.
Cresci pensando em tê uma pra mim! Sem farta!
    

quarta-feira, 30 de maio de 2012

CHAPÉU DE PÁIA.



Era tempo do chapéu de páia.
Foi bem nesse tempo que eu inventei de nascê lá nos depois do arto da Vila Rica, numa tar de São Miguel Arcanjo, que antes, diziam chamá Fazenda Véia, mais que um dia mudaro de nome pra ela ficá cum cara de vila.
Matão bunito, gado no invernadão, galinhada no quintar em vorta da casa.
Era terra de perdiz e de sabiá das laranjera. Tudo colorido, tudo cantadô.
De pé no chão que eu vivia. Mas que mar havia nisso? 
Entrava bicho de pé, tava lá meu pai:
- Primero, a gente tem que esquentá a agúia, se não dá tétano...
E logo tava pronto pra otro bicho entrá no otro pé.
Uns pé de laranja branca, de mixirica, um baita dos jatobá, tudo enfeitando o lugá onde eu vivi.
Num foi de partera que eu vim, não. Os otros foram, mais eu não. Vim meio doente. Tinha hérnia. Demorei pra sabê o que era aquilo. Tinha que usá uma cinta bem apertada, se não estorava a marvada.
Mais  ela nunca feiz mar, só quando eu era piquena e num tinha defesa própria.
Meu pai, eu lembro dele quando ele tava nos trinta ano. 
Bunito e forte era meu pai. Parecia um toro. Saco de sessenta quilo era pôco pra ele carregá. 
De sor a sor, lá tava ele. 
Prantando fejão, maiando fejão, prantando mio, cana e cebola.
Criando porco. Cada porcão!
Tudo que era animar, ele dava um nome.
Porco, eu lembro do Churiço, do Beico, do Palito.
As vaca?
Tinha a Mimosa, a Rolinha, a Dengosa, a Branca, a Teimosa, a Amarelinha, a Pintada, a Índia, a Mantega... 
Tantas que nem lembro mais...
Meu pai gostava dessa vida pacata. Gostava de suá bastante e de tarde tomá seu banho de bacia. 
Nóis tinha lá um baita bacião!
Eu também gostava do chero do meu pai. Ainda mais do barbante que ficava amarrado no chapéu de páia dele.
Teve um dia que uma vaca ficô doente no pasto e ele foi lá pra dá injeção nela. 
Eu carreguei a injeção da vaca. Mais no fim nem precisô de sê usada. Ela já agonizava no chão quando nóis chegamo lá.
Meu pai chorando, tirô uma garrucha da cintura (eu num tinha visto ele colocá lá e por isso me assustei muito...), apontô pra Mutuca - era o nome dela - e deu um tiro na cabeça da vaca.
Vortei pra casa sozinha, siringa na mão, tremendo que nem vara verde, porque o coitado do meu pai tinha enloquecido e tava embrenhado na mataria.
Que coisa essa de uma pessoa gostá tanto de bicho! 
Até hoje, num entendo isso!