quarta-feira, 30 de maio de 2012

CHAPÉU DE PÁIA.



Era tempo do chapéu de páia.
Foi bem nesse tempo que eu inventei de nascê lá nos depois do arto da Vila Rica, numa tar de São Miguel Arcanjo, que antes, diziam chamá Fazenda Véia, mais que um dia mudaro de nome pra ela ficá cum cara de vila.
Matão bunito, gado no invernadão, galinhada no quintar em vorta da casa.
Era terra de perdiz e de sabiá das laranjera. Tudo colorido, tudo cantadô.
De pé no chão que eu vivia. Mas que mar havia nisso? 
Entrava bicho de pé, tava lá meu pai:
- Primero, a gente tem que esquentá a agúia, se não dá tétano...
E logo tava pronto pra otro bicho entrá no otro pé.
Uns pé de laranja branca, de mixirica, um baita dos jatobá, tudo enfeitando o lugá onde eu vivi.
Num foi de partera que eu vim, não. Os otros foram, mais eu não. Vim meio doente. Tinha hérnia. Demorei pra sabê o que era aquilo. Tinha que usá uma cinta bem apertada, se não estorava a marvada.
Mais  ela nunca feiz mar, só quando eu era piquena e num tinha defesa própria.
Meu pai, eu lembro dele quando ele tava nos trinta ano. 
Bunito e forte era meu pai. Parecia um toro. Saco de sessenta quilo era pôco pra ele carregá. 
De sor a sor, lá tava ele. 
Prantando fejão, maiando fejão, prantando mio, cana e cebola.
Criando porco. Cada porcão!
Tudo que era animar, ele dava um nome.
Porco, eu lembro do Churiço, do Beico, do Palito.
As vaca?
Tinha a Mimosa, a Rolinha, a Dengosa, a Branca, a Teimosa, a Amarelinha, a Pintada, a Índia, a Mantega... 
Tantas que nem lembro mais...
Meu pai gostava dessa vida pacata. Gostava de suá bastante e de tarde tomá seu banho de bacia. 
Nóis tinha lá um baita bacião!
Eu também gostava do chero do meu pai. Ainda mais do barbante que ficava amarrado no chapéu de páia dele.
Teve um dia que uma vaca ficô doente no pasto e ele foi lá pra dá injeção nela. 
Eu carreguei a injeção da vaca. Mais no fim nem precisô de sê usada. Ela já agonizava no chão quando nóis chegamo lá.
Meu pai chorando, tirô uma garrucha da cintura (eu num tinha visto ele colocá lá e por isso me assustei muito...), apontô pra Mutuca - era o nome dela - e deu um tiro na cabeça da vaca.
Vortei pra casa sozinha, siringa na mão, tremendo que nem vara verde, porque o coitado do meu pai tinha enloquecido e tava embrenhado na mataria.
Que coisa essa de uma pessoa gostá tanto de bicho! 
Até hoje, num entendo isso! 

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