terça-feira, 19 de junho de 2012

QUEIMA DA PAIA DE FEJÃO



Época di maiá fejão no Sítio Bom Retiro era bunito demais di vê.
Vinha um mundaréu di gente qui nosso pai contratava na cidade pra ajudá.
Era gente coiendo na roça, era gente maiando depois no terrerão, era gente recoiendo tudo pro paiol quando parecia chuva.
Meu pai me dava um vassorão feito de mato e dizia:
- Varra bem varridinho, Luizinha! 
Mais o nosso prazer era vê o baruio da gentarada.
Tinha muié, home, rapaizinho.
Eles tudo cum vara de bambu bem cumprida nas mão. 
Tinha arguns qui usavum maiá o fejão cum corrente.
- Mais intão, num precisa batê muito forte, "seu" Vicente - pedia nosso pai.
A festança durava uns dia, longos dia.
A paia ficava amuntuada num canto, mais nóis notro dia dismanchava tudo.
Quando acabavum di maiá tudo o fejão, intão nosso pai ajeitava o montão di paia bem no meio do terrerão, isperava tudo mundo imbora pra cidade, i acendia cum fósforo.
Parecia noite di São Juão.
Noite di São Juão cum istrelinha crepitando, faiscando pra longe.
Quentinho, quentinho!
Nóis batia parma i girava em vorta, quase queimando a ropa. Nosso pai tomava chimarrão, di veizim quando dava uns riso gostoso, tipo missão fejão cumprida, qui depois ia levá lá na Coperativa di Cotia qui tinha na cidade i trazê dinhero pra comprá uns vistido bunito pra nóis e pra nossa mãe.
Qui tempo bão qui era aquele!
Tempo qui nóis tinha pai i tinha mãe!
      

PRATO PIRIGOSO!


Eu já disse latrais qui nóis, de piquena, só aprontava?
Crendospadre!
Si num era na invernada, era no galinhero. Si num era no galinhero correndo atrais das penosa, era no manguerão cutucando as vaca ruminante, i até dentro de casa nóis fazia tropé i si brigava.
Quando o nosso pai resorvia permanecê um bão tempo na cidade, i nóis sabia disso, intão, a nossa irmã inventava di fazê cumidinha.
O que quéla gostava di fazê?
Pegá rolinha no quintar!
Num tinha diferença nas rolinha arisca qui vinhum ciscá debaxo dos calipto. 
Num precisava escolhê; no nosso sítio fervia desses passarinho. Quarqué uma servia pra ela.
Era assim: ela pegava uns quatro ou cinco bichinho, torcia o pescocinho delis, depois dispenava na água quente.
Os passarinho peladinho ficavum iguarzinho do jeito qui era franguinho dispenado.   
Nóis ficava ali dimirando ela fazê a cumidinha dela, as rolinha bem fritinha no alho i na gordura, depois ela ia lambuzando tudo na farinha de milho.
Nóis pensava nas rolinha, tinha dó das coitadinha, mais acabava cumendo um pedacinho só pra num ficá inlumbrigado.
Nunca, nunca que nosso pai sabia daquilo. 
Si ele só imaginasse arguma coisa assim, cum muita certeza qui ele mandava as rolinha imbora vivê notro lugá só prelas num verem a surra de cinta qui ele dava em cada uma de nóis.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

BUNECA DE PANO


Buneca, quando nóis era piquena?
Nem pensá!
Só de pano mesmo!
Nossa mãe fazia umas bunecona cos pano qui sobrava das ropa qui ela fazia pra nóis.
Pano que erum comprado lá nas Casa Pernambucana, em Itapetininga.
Quando ela tinha tempo, fazia até umas ropinha pras nossa buneca. 
Mais quando eu fiz cinco ano, ganhei da minha vó Lila uma buneca de loça, daquelas qui parecia criança de verdade, tinha covinha no rosto e buraquinho nas mão e nas perninha.
Foi essa a única buneca qui tive na minha vida. 
Depois, num liguei mais pra isso.
Buneca era coisa de minina qui sonhava cum príncipe incantado i eu num era disso.
Pois é. 
A tar da buneca durô uns treis meis.
Eu num tinha préstimo cum ela.
Às veiz, isquecia ela no terrero e os cabrito qui nóis tinha no sítio quase qui destruía ela.
Um dia veio daquelas chuva repentina. Corri pra dentro, num lembrei da buneca. Só no otro dia fui achá a farta dela.
Num teve conserto mais!

O QUITU SARVÔ NOSSA IRMÃ.


Mais nóis continuava fazendo marvadeza no Sítio Bom Retiro!
Começô qui naquele dia de sor quente, caloroso, aproveitando qui nosso pai tava na cidade i inventamo de passiá na invernada, pra vê si achava o ninho dumas siriema qui viviam por ali.
Foi correndo atrais delas, qui vimo um pé de amora e decidimo  ficá até colhê tudo das frutinha.
Pertinho dali, um riachinho qui tava cheio incentivô nossa irmã menor e ela acabô pulando dentro.
Num liguemo, porque ela num tinha medo de rio i até nadava, bem o contrário de nóis!
Foi num repente, porém, qui ela começô a gritá lá da água e vimo qui ela saía depressinha da água.
Nossa Sinhora!
O corpo dela tava tudo forrado de sanguessuga!.
Cum medo de vortá imbora correndo, comecemo a tirá os bicho dela cuns pedaço de pau.
Ela gritava de dor!
I nóis forçava os bicho a saí das costa e da barriga da perna dela i quase num vencia.
Finarmente, conseguimo!
Garramo a vortá pra casa, coração pulando no peito, nossa irmã chorando, coitadinha!
O corpo tudo vermelhando.
Quando chegamo em casa, meu pai já tava lá. 
Ela passô depressinha e foi tomá banho na bacia de alumínio. Qui já era hora da gente começá a tomá banho mesmo!
Mais a coisa preteô: nossa irmã num parava di tremê; tava cuma baita febre que nosso pai mandô nossa mãe arrumá um cobertor, cubriu a menina, ligou o carro e foram os dois procurá o Quitu.
- Mais qui barbaridade! Essas minina num criam juízo, Mariazinha! Atrais de sanguessuga, agora?
Só ficamo livre da cinta, porque o Quitu sarvô nossa irmã.
Graças a Deus!

O HOME DO SACO


Tudo santo dia, nóis ia pro mato pra procurá fror pra orná a mesa da sala lá de casa.
Mais na verdade era só pra vê nossa mãe dá um sorriso bem largo, ela qui gostava demais da conta das fror qui nóis trazia.
Num era nada face fazê nossa mãe ri, num era não!
Um dia, nóis aproveitemo que o pai viajô pra Capão Bunito visitá a irmã dele, a Lili, qui era casada co João Satiro, e fomo im treis pros lado das trinchera prá vê se incontrava arguma coisa diferente.
Só tinha mesmo aquelas frorzinha roxa dos barranco.
Nóis fiquemo tão das intretida que num vimo aquele home chegá perto da gente, seis metro masu meno, cum baita sacão jogado na costa.
Mais vimo!
Era o tar home do saco!
Nossa mãe já tinha falado dele pra nóis; diz qui ele morava no mato e usava uma ropa cor de terra. De veizim quando tava de preto.
Foi um tar de perna pra que nóis tinha!
Cum tanto medo, nóis garramo a corrê pela estrada mesmo, não pelo mato como nóis sempre fazia quando revirava o sítio.
Nóis chorava e gritava e corria. I quanto mais nóis gritava, mais o coração doía di medo i quase nóis caía uma por cima da otra.
Foi quando uma buzina tirô a gente do terror do home do saco pra otro terror: era nosso pai que vortava de Capão Bonito.
Parô, abriu a porta do Ford e jogô nóis pra dentro, xingando e xingando, mais nóis num iscutava nada, só tremia apavorada.
Num adiantô dizê qui vimo o home do saco.
Foi cinta pra tudo lado.
Nosso pai num gostava qui a gente andasse pros mato.
- Buscá o que no mato? ele perguntava.

terça-feira, 5 de junho de 2012

AS FROR QUI NUM ERUM DO CAFEZAR


Eram da Nhá Chica, muié do "seu" Romão.
Era dália pra tudo canto na vorta da casa deles.
Dália vermeia, dália marela, dália branca e dália da cor do burro quando foge.
Nunca vimo tanta dália junto.
Um pé do ladinho do otro, crescia artanero e carregado.
A véia dizia que elas tinhum nome.
- De gente que já morreu - ela dizia, com os óio vortado pro céu...
Suspirando:
- Tuquinha, Nezinho, Parício, Ditinho, Pedrinho...
Intão a gente, que era muito bocó, ficava cum medo danado de quebrá um pé ou de coiê uma fror do seu quintar.
Mais um dia, nóis fomo pra lá cum fio do Roque Goiaba que dizia que num tinha medo de nada.
Nóis ficamo só na ispreita.
-Vá lá, Purga, e traga um punhado pra nóis levá pra nossa mãe!
O menino foi lá.
Sela aparecesse, nóis já tinha discurpa: tava catando coquinho babaçu, daqueles bem grandão que tinha por perto da casa deles. 
- A gente num conhece esse menino - ia dizê pra ela...
E num é que nóis entretemo demais no catá o tar do coquinho, que nem percebemo o drama do Purga!
- Mais pra quê coiê uma frô, menino! O que cocê vai querê fazê cum ela?
Senhor do céu!
Era Nhá Chica ralhando co menino, ameaçando o coitado com a vara de marmelo. 
Só deu tempo de nós percebê que o menino corria coa cara branca e vinha pro nosso lado.
Pernas pra que queremo, né?
Ela num ia arcançá memo...  

segunda-feira, 4 de junho de 2012

CHUÁ, CHUÁ



A primera veiz que vi um monjolo, tive um baita susto.
Pudera!
Parecia um robozão trabaiando no meio do mato. Aquela aguaria iscorrendo, depois levantando lá pro arto aquele baita pau que intão caia, e intermitente, sem erro no tempo, ia socando o milho pra virá quirera ou socando o arroiz pra ele ficá sem casca e facilitá o cozinhamento.
Milho tipo quirera pra minha mãe fazê canjica bem docinha pra nóis.
Arroiz bem socadinho também era tão bão cum frango de leite!
A socage num monjolo, que é feita num grande pilão, é muito demorada; a gente injoa de acompanhá o pam...chuá...pam...chuá...pam...
Mais é bunito de vê!
Bunito, mais perigoso, diziam meus pais.
Um baruio danado, ensurdecedor.
O monjolo de casa ficava lá longe. Quem cuidava dele era o Nhô Romão que era casado coa Nhá Chica.
De veiz em quando a gente ia lá pra buscá essas coisa. Quando a gente chegava, já tava tudo arrumadinho num saco branco de algodãozinho.
Como a gente era muito travesso, coisa da idade, nunca que meu pai dexô a gente ficá sozinho perto do dragão que cuspia água.
Ainda bem, porque um dia escapô um arame dos grosso que segurava o pescoço do monjolo, o Nhô Romão num percebeu e... acabô ficando sem dois dedo da mão.
Crendospadre!